VARIAÇÕES SOBRE A POESIA

 

MIGUEL REALE

 

 

            Pelo fato de ter quatro livros de versos, perguntaram-me se me considero poeta, a pergunta mais embaraçante que até agora me foi feita. Prefiro ter-me em conta de “poeta amador”, no sentido de que recorro ao poema para responder, de uns tempos para cá conjeturalmente, às perguntas supremas a que a razão não tem acesso, mas continuam desafiando meu espírito.

            O grande crítico Wilson Martins qualificou de “poesia de idéias”essa minha posição poética, conclusão correspondente ao que disseram o saudoso mestre António Soares Amora e o grande poeta português José Augusto Seabra. Entendem eles que não me conformo com as verdades alcançadas pelo saber científico positivo, persistindo, mediante a poesia, em sondar “o mistério do sentido último do mundo”, indo além do limitado poder da mente.

            À luz desse entendimento, meus versos, abstração feita de seus valores intrínsecos, me situariam entre os que compreendem a poesia como “uma forma de conhecimento” que culmina em uma intuição pura do sentimento, transcendendo os elementos intelectivos.

            Foi Platão que, pela primeira vez, consagrou essa tese, admitindo o poder hermenêutico emocional da poesia, mas fiel a seu idealismo integral, entendia necessário expulsar os poetas da República fundando-a unicamente em ditames racionais.

            Não creio seja preciso fazer opção entre o emocional e o racional para se explicar a função cognitiva da poesia, a qual recorre à intuição imagética exatamente para ascender àqueles planos a que a razão não tem acesso mediante seus processos hermenêuticos. Foi Kant quem, após dizer que “as artes da palavra” são a eloqüência e a poesia, revelou a correlação poética entre idéia e imagem, ao escrever, na Crítica do Juízo, que “a eloqüência é a arte de tratar de um propósito do intelecto como se fosse um livre jogo da imaginação; a poesia é a arte de dar a um livre jogo da imaginação o caráter de um propósito do intelecto”.

            Parece-me, porém, como salientou o kantista Baumgarten, o que acaba prevalecendo é o elemento efetivo, o que me leva a afirmar que toda experi